sexta-feira, 24 de julho de 2009

Caridade

Os tempos actuais são cada vez mais difíceis para a generalidade dos portugueses que, como sabemos, estão sujeitos a uma crise económica sem precedentes que está a provocar o aumento assustador do desemprego e, consequentemente, das manchas de pobreza e até de fome.
Paralelamente, tomámos contacto com um grande número de iniciativas que, supostamente, pretende fazer face a este agravamento das condições sociais em que o país vive. Algumas, partem da iniciativa dos diversos níveis de poder: central, regional e local e outras encaixam naquilo a que vulgarmente apelidamos de caridade.
Desde muito novo que tenho muita dificuldade em compreender a esmagadora maioria das acções de caridade. Não vejam esta minha posição como sendo egoísta, invejosa ou pretensiosa. Resulta antes da enorme dificuldade em encontrar, ao longo do meu tempo de vida, exemplos de práticas indiscutíveis caritativas.
Recordo-me dos tempos de infância e da realidade da minha, então linda, vila em que esposas das famílias mais poderosas se entretinham, e o termo correcto é mesmo esse, entreter, a ajudar o próximo, reunindo, sobretudo na época natalícia, algumas roupas e brinquedos para as franjas mais empobrecidas da população poveira. Alguns maridos, tinham uma prática, no seu quotidiano, que em muitos casos, contribuía para a referida pobreza, como, por exemplo, baixíssimos salários nas suas empresas e mesmo, alguns anos mais tarde, instigação à aceitação de rescisões de contrato injustas e, nalguns exemplos conhecidos de todos os poveiros, acompanhadas de fortes mecanismos de coacção.
Tendo noção que para algumas dessas mulheres estarei a ser injusto, parece-me indiscutível que seria preferível que as ditas famílias tivessem canalizado as suas energias para, no dia-a-dia, práticas mais correctas, menos potenciadoras da pobreza e da exclusão proporcionando, quase de certeza, a existência de uma sociedade mais coesa do ponto de vista social.
No entanto, temos que reconhecer que, infelizmente, nas últimas décadas muitas das acções de caridade foram para níveis absolutamente inaceitáveis dado que o conceito de caridade como ajuda desinteressada, foi completamente adulterado por situações em que “novos poderosos” participam em acções caritativas tendo como objectivo principal todo o tipo intenções menos a da ajuda ao próximo. Os objectivos que saltam à vista de todos vão desde a tentativa de obtenção de dividendos políticos, à integração em determinados grupos sociais ou organizações ou apenas e só a oportunidade de ser notícia, desejavelmente com imagens de vestidos ou fatos bonitos nos jornais.
Apesar de me identificar, sem qualquer tipo de dúvida, com os ideais de liberdade de escolha proporcionados pela longínqua Revolução de Abril tenho de reconhecer que muitos dos eleitos pelo povo desvirtuaram completamente as regras de decência que deviam estar presentes no serviço de causas públicas. Alguns deles, conseguem destacar-se nas acções de caridade dos nossos dias porque, pura e simplesmente, criaram esquemas vários de favorecimento pessoal no relacionamento com algumas empresas dependentes de obras ou serviços dos organismos públicos e, por esse motivo, não têm qualquer tipo de dificuldade em desviar recursos para acções concretas de caridade. Muitas vezes, no calor de uma reunião ou jantar com muitos potenciais eleitores, prometem, de forma aparentemente instintiva, concretizar algumas dessas acções caritativas utilizando recursos públicos ou até, coitados, dinheiro dos seus próprios bolsos.
Em todos estes momentos onde podemos situar as acções altruístas?
Por todas estas razões dou um enorme valor a todos os indivíduos, crentes ou não, enquadrados por Missões, Organizações Não Governamentais ou mesmo a título individual que, por esse mundo fora e de modo totalmente anónimo, participam em acções de ajuda ao próximo em situações bastante difíceis, muitas vezes associadas a regiões de guerra, fome ou, simplesmente, de pobreza e exclusão.

4 comentários:

  1. A nossa cidade é, actualmente, atormentada por um problema muito grande. Problema esse que dá pelo nome de 'Damas da Caridade', isto é, um conjunto de mulheres que, por clara âmbição política, se envolvem em múltiplas acções de caridade de uma forma estupidamente oportunista. São inúmeros estes casos.

    Depois é vê-las a aparecer em listas a concorrer às autarquicas, às legislativas, à espera de voos maiores na política nacional. Mas, então, o desejo de ajudar o próximo é subitamente substituido pela vontade de agarrar o tacho? Ou a 'vontade de ajudar o próximo' é apenas um meio para o conseguir?

    Parabéns Luís.

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  2. "Vamos brincar à caridadezinha,
    festa, canasta e boa comidinha."
    Sempre que ouço falar em caridade ouço logo na minha cabeça o José Barata Moura a cantar estes versos.
    Sobre a “caridadezinha” creio que o professor Luís Gonzaga sintetizou muito bem o que qualquer indivíduo bem formado e bem intencionado vê nas festas sociais apelidadas de caritativas, todas elas cheias de “glamour” e a cheirar a bafio.
    No entanto, acho que no texto do professor estão em causa dois conceitos que não podem ser confundidos: caridade e solidariedade.
    Para mim, o que fazem por todo o mundo as instituições que o professor refere no último parágrafo é solidariedade e não caridade. Assim como é solidariedade o que qualquer cidadão anónimo faz quando contribui com donativos ou com o seu tempo para as referidas instituições.
    Parabéns pelo texto e pelo alerta!

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  3. Luís,
    Talvez tenhas razão quando te referes aos interesses pessoais e políticos que muitas das vezes camuflam a intervenção social e cívica. Mas não não podemos julgar o todo pela parte...
    Achei curioso o comentário anterior, que se refere especialmente às mulheres poveiras ligadas à solidariedade e subjacentes interesses políticos... Parece-me tratar-se de tapar o sol com a peneira... A politização das instituições está generalizada. São muito poucas aquelas que, de solidariedade, desportivas, culturais e recreativas, não se encontram descaradamente politizadas.
    E quanto às missões realizadas por esse mundo fora, haverá as sérias, praticadas apenas com sentido de dever cívico, mas também não são menos frequentes aquelas cujos missionários, não mais procuram a não ser um trapolim para outros voos.
    Por isso, convicta te digo, também no nosso país e cidade, encontras concerteza pessoas ligadas a instituições com verdadeiro sentido de missão e outras que apenas procuram projecção social e/ou política.

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  4. Queria salientar a qualidade dos comentários efectuados nomeadamente quando chamam a atenção para a separação dos conceitos caridade/solidariedade e para a generalização da partidarização das instituições. Se repararmos bem, é muito difícil as instituições sobreviverem sem os apoios do costume que depois, tipo "pescadinha de rabo na boca", são cobrados de alguma forma. Na realidade "não há almoços grátis" e. por isso, reforço a importância do último parágrafo do texto

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