segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Péssima memória

Costuma-se dizer que, há medida que envelhecemos, sentimos o tempo a passar cada vez mais depressa rumo ao destino fatal da morte. Na juventude os dias não tinham fim. Os dezoito anos nunca mais eram atingidos para entrarmos em espaços apetecíveis e termos mais autonomia.
Mas, de repente, o tempo começa a voar e, quando damos por ela, estamos, por exemplo, a preparar as férias grandes, a celebrar o Natal, a assistirmos aos rotineiros eventos desportivos ou culturais ou a festejar aniversários, em intervalos de tempo mais curtos, ficando o ciclo cada vez mais apertado.
Numa localidade pequena e aprazível como a nossa, assistimos também, com uma rapidez estonteante, à sucessão de festividades e eventos de periodicidade anual que aparentam ter ocorrido ontem. No entanto a nossa terra vai muito mais longe, tendo a capacidade de apresentar o mesmo facto, aparentemente não repetível, em anos diferentes e com roupagens distintas, como se nunca tivesse acontecido.
Nietzsche afirmava que a grande vantagem de ter péssima memória residia na possibilidade de “divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas, como se fosse a primeira vez”.
Será que temos péssima memória?

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Um problema de escala


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Póvoa de Varzim e Vila do Conde são dois concelhos vizinhos que, ao longo da história, viveram, e ainda vivem, fortes rivalidades. A diferenciação social histórica entre os dois territórios, com uma Vila do Conde “mais nobre” e mais rica até rivalidades mais recentes relacionadas, por exemplo, com o movimento associativo dos dois concelhos são apenas exemplos dessa diferença e da vontade de afirmação individual das diversas lideranças existentes nos dois espaços.
Esta excessiva rivalidade impediu, durante tempo a mais, abordagens de escala intermédia entre o local e o nacional que “antecipassem o futuro” e cujas consequências mais graves foram sentidas na demora da resolução do problema do tratamento das águas residuais dos dois concelhos.
Nos últimos anos, quase por imposição, os responsáveis políticos foram “obrigados a entender-se” sobre aquele problema e, anteriormente, sobre outras matérias relacionadas com a educação e saúde.
Neste contexto, entendo como menos positiva a eventual acção individual, por parte de Vila do Conde, na zona do Forpescas. Impunha-se uma abordagem mais global, em que interviessem os responsáveis dos dois concelhos e o poder central, de modo a conseguir-se que o projecto global não colidisse com a estratégia de desenvolvimento de cada um dos concelhos e que se reunissem as sinergias necessárias a empreendimentos desta envergadura. Por exemplo, a colocação de um campo de futebol não me parece coincidente com os últimos desenvolvimentos verificados nos dois concelhos e, por outro lado, um Museu do Mar ou dos Pescadores faria todo o sentido se perpetuasse a história rica de uma população que, ao longo dos tempos, se desenvolveu nos dois territórios.
Neste estudo mais aprofundado da intervenção em toda a área, e por razões óbvias que se prendem com a localização geográfica e com a “complementaridade para terra”, seria importante discutir, também, a eventual “permuta” de espaços das funções associadas à pesca pelos que se relacionam com o turismo associado ao mar.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Guinchinho IV



O ritual de praia, cerveja, futebol e marisco só foi interrompido no momento em que cumpriu o serviço militar, em 1979. Ofereceu-se como voluntário para a marinha mas rapidamente constatou que gostava muito do mar de Promar e não do de Lisboa ou de qualquer outra localidade do litoral. Por isso, quando concluiu o serviço militar obrigatório jurou que nunca mais sairia de Promar e que assentaria toda a sua vida na terra que o tinha visto nascer.
Nos últimos anos os seus descuidos alimentares associados à sua baixa estatura agravaram o visual, facto que era acentuado pela escolha pouco apropriada dos calções de praia. Era o indivíduo com a “tanga” mais estreita de todos os banhistas. A combinação da baixa estatura, da barriga pronunciada e da curta tanga originava um efeito de nudismo dado que o rabo, os tomates e a pixota ficavam tapados pela mistura das banhas morenas com o reduzido tecido do calção.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Guinchinho III



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O Guinchinho, tinha abandonado a escola e, desde 1979, trabalhava quatro meses (Junho, Julho, Agosto e Setembro) como nadador salvador e descansava os restantes oito. No entanto, na prática, ele fazia a mesma actividade durante os doze meses do ano ou seja, praia, sempre que não chovia torrencialmente, só que, nos quatro meses de Verão, era remunerado por esse facto. Escolhia sempre o horário da manhã (oito – catorze horas), mas só saía da praia quando o sol desaparecia no horizonte. Não me lembro de o ver, durante o dia, com uma indumentária que não fosse o calção e a camisola de manga curta, com as mangas dobradas para realçar os braços curtos mas musculados. Com o rendimento proveniente dos pagamentos efectuados pelo Instituto de Socorros a Náufragos ia, quase todas as noites de Verão, para o bar emborcar cerveja e comer navalheiras e camarão da costa, no dia imediatamente a seguir à recepção do dinheiro e amendoins e tremoços nos restantes dias. Não descansava enquanto não gastava o seu curto salário, sendo bastante generoso para com os amigos, pagando frequentemente, as contas totais com enorme prazer. Dada essa falta de apego ao dinheiro, não aceitava a forretice do Zé Graxa que, das poucas vezes que tinha autorização dos pais para sair, aproveitava o pagamento das rodadas dos amigos e, um pouco antes de chegar a sua vez, saía discretamente para não ter que pagar.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Razões para apoiar Renato Matos




O convite que me foi endereçado para ser Mandatário da candidatura de Renato Matos apanhou-me completamente desprevenido. Considero-me um indivíduo que tenta vencer “pequenas batalhas” no seu quotidiano como professor, mas discreto, que não aprecia ser o centro das atenções e, por isso, fiquei bastante admirado com a firmeza do convite.
Perante a vontade manifestada, entendi que era minha obrigação fazer mais do que votar Renato Matos e Partido Socialista, aceitando participar, das mais diversas formas, no apoio a esta candidatura. Ao fazê-lo, estarei apenas a fazer uma intervenção cívica que, espero, mereça a compreensão de quem tem acompanhado este blog, independentemente das respectivas opções de voto. Apesar do respeito que me merecem as restantes candidaturas, entendo que há necessidade de concentrar votos numa alternativa credível ao actual poder. Procurarei, de seguida, fundamentar a minha decisão, justificando as razões essenciais que, apesar da minha condição de independente, me levaram a apoiar as listas do Partido Socialista para as próximas autárquicas.
Há muito tempo que defendo a necessidade de romper com o modelo de exercício do poder autárquico na Póvoa. Estamos, há muitos anos, perante um executivo pouco aberto à crítica e à opinião divergente e que está, cada vez mais, convencido de uma suposta infalibilidade das suas próprias decisões. Esta convicção varia, no caso da Póvoa, na razão directa do tempo no poder. Isto é, quantos mais anos o exercem, mais convencidos estão das suas certezas. Sem querer, de modo algum, contribuir para o reacendimento do clima de conflitualidade que se verificou na Póvoa nos últimos anos, gostaria de deixar uma palavra para todos os que, por “delito de opinião”, viveram momentos pessoais difíceis que, paradoxalmente, estimularam minha vontade de participar de modo mais activo, através do blog Descarga. Espero, sinceramente, que se entre num novo ciclo na Póvoa, em que a existência de opiniões diferentes seja vista como algo de normal e enriquecedor e não implique o afastamento pessoal. Que se compreenda, de uma vez por todas, que quem ganha com a diversidade de opiniões é a Póvoa e são os poveiros.
Acompanhando, com interesse, a vida política local, constatei que, de um modo geral, houve uma coincidência entre as posições que me pareciam mais justas e as que o PS local sustentou. Destacaria as que se relacionam com o turismo, o ordenamento urbano, a mobilidade, o ambiente, o acesso e qualidade das águas e a pobreza e exclusão social. Reconheço que as posições tomadas sobre, por exemplo, os temas “Quintas e Quintas”, Zona E54”, “Construções na Areia”, “Qualidade das Águas” ou “Roteiro Social” permitiram que reconhecesse ao PS Póvoa e, muito em particular a Renato Matos, pertinência e enorme coragem para tentar constituir-se como alternativa credível. Agrada-me, também, que defenda uma espécie de “conciliação com o mar e com os pescadores” que se manifesta, não só, pela contribuição para a melhoria das suas condições de trabalho e para o auxílio à actividade neste mundo cada vez mais global e competitivo, como também pela exploração da sua vertente turística que, à semelhança de muitas outras localidades, poderá funcionar como um grande incentivo ao aumento do número de visitantes que combata a excessiva sazonalidade da nossa oferta turística.
Por outro lado, a candidatura do Partido Socialista apresenta um conjunto de características inovadoras que, na minha opinião, merecerá o apoio dos poveiros. Destacaria as seguintes:
- Inclusão de independentes em lugares de destaque que é demonstrativa de grande abertura à sociedade.
- Participação efectiva, e não apenas como resultado da lei da paridade, das mulheres. Destacaria a candidatura de Elvira Ferreira, como cabeça de lista, à Assembleia Municipal e de Adélia Postilhão e Alexandra Oliveira à presidência da Junta de Freguesia de Beiriz e Argivai respectivamente.
- Participação de muitos jovens que, na minha opinião e ao contrário do que muitos pensam, acrescentam valor a esta candidatura.
A liderar esta candidatura há, precisamente, um jovem que reúne um conjunto de condições pessoais e políticas invulgares e que são justificativas do meu apoio e, espero, o de muitos poveiros. Um dos aspectos que mais aprecio na acção política de Renato Matos relaciona-se com a colocação dos interesses da Póvoa num patamar claramente superior aos seus e aos do seu próprio partido. A sua oposição à instalação de portagens na Scut que nos influencia é demonstrativa da sua originalidade enquanto membro partidário.
Entendo que uma liderança de Renato Matos promoverá uma nova agenda política, muito mais virada para a criação de condições para um maior dinamismo económico apoiado na actividade turística, para as preocupações ambientais e sociais e para a qualidade de vida no nosso concelho do que para a construção de grandes obras de interesse duvidoso. Estou convicto que a mudança geracional na autarquia possibilitará a modernidade na gestão e o combate ao desperdício que favorecerá a implementação daquela nova agenda. Mas muito importante para mim é a firme crença de que com Renato Matos no poder haverá sempre uma postura aberta, construtiva e de busca dos consensos possíveis, na procura das melhores soluções para o nosso concelho.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

"Temos Obra"



Se fizermos uma curta pesquisa sobre a conjugação destas duas palavras, encontraremos uma enorme quantidade de candidatos autárquicos, na sua esmagadora maioria Presidentes de Câmara ou de Juntas de Freguesia que, um pouco por todo o país, apelam ao eleitorado através deste slogan ou de outro semelhante.
Vários destacam a enorme capacidade para “fazer obra” ou “organizar evento”, sendo inúmeras as situações em que essa obra não é mais do que acto isolado, desenquadrado de qualquer tipo de visão estratégica para o concelho ou freguesia e que não se enquadra na promoção do desenvolvimento sustentável dos respectivos espaços, comprometendo até, em muitos casos, as gerações mais novas. O que é preciso é “mostrar obra”.
Estamos perante a “obra pela obra” e, em muitas situações, desperdiçam-se recursos para sustentar projectos cuja utilidade é, no mínimo, duvidosa.
Numa altura em que tanto se discute, também no plano nacional, o cuidado que se deve ter nos investimentos a efectuar, talvez fosse interessante rever uma interessante telenovela brasileira chamada Bem Amado, que passou, no início dos anos oitenta, em Portugal e em que o autarca, Odorico Paraguaçu, faz também a sua grande obra, neste caso um cemitério, mas depois não encontra “clientes naturais” para ela e, para justificá-la, contrata um assassino (Zeca Diabo) para poder proceder, finalmente, à sua inauguração.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Guinchinho II

Pus-lhe o nome de Guinchinho porque apesar de forte e entroncado media apenas um metro e sessenta, facto que o desgostava imenso e lhe criava alguns complexos que eu normalmente aproveitava de forma maldosa. Para além de baixote, era trigueiro e estava cada vez mais escuro dado que ano após ano recebia a radiação solar através de uma pele cada vez mais carregada de iodo, sempre que aquela estava à disposição. Fazia praia de Janeiro a Dezembro, tomando sempre grandes banhos alternados com exercícios físicos como flexões, abdominais ou dorsais. Cada ano que passava executava esses exercícios com menor amplitude e intensidade. A sua silhueta era uma presença constante da praia rivalizando muitas vezes com as estátuas espalhadas pela vila. Para além do mar revelava uma grande paixão pelo futebol, jogando nas camadas jovens do Promarense na posição de defesa esquerdo. Segundo o seu treinador, tratava-se de um atleta “empenhado, raçudo, tecnicamente evoluído que apoiava bem o ataque”. No entanto, os colegas de equipa estavam sempre a culpá-lo pelos seus dois pontos fracos: a dificuldade no jogo aéreo devido à baixa estatura e a reduzida velocidade causada, provavelmente, pela vida pouco regrada. Ficava irritadíssimo sempre que os adversários faziam um golo de cabeça à sua beira ou atiravam a bola para a frente, para lhe ganhar vários metros na corrida. No entanto, como era duro e gostava pouco desse gozo, recorria, com muita frequência, aos encostos, às rasteiras e outros tipos de faltas grosseiras para parar os betinhos que tinham a mania que corriam muito ou que eram muito altos.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Guinchinho I


Imagem: obiologoamador.blogspot.com


O Guinchinho era um tipo muito especial porque apresentava um conjunto de características muito difíceis de encontrar noutro promarense. Apesar de filho de pescador (o seu progenitor era um destemido e respeitado mestre) não revelava a vocação do seu pai e, apesar de gostar muito do mar, apreciava sobretudo a actividade lúdica que proporcionava e não a produtiva. Dado que era um nadador exímio, um rapaz corajoso e um apreciador do sol e dos banhos do mar, fez um curso de nadador salvador e, todos os verões, tomava conta de uma parte significativa da praia, estando sempre atento aos banhistas menos ágeis, às crianças, aos idosos e, sobretudo, às meninas que circulavam na linha da maré. Apesar de conseguir arranjar, com grande auxílio dos famosos calções vermelhos e da camisola branca SN (Socorro a Náufragos) estampada, algumas namoradas, ninguém o pode acusar de não cumprir o seu dever. Foram muitas as situações em que salvou banhistas atirando-se a mares tempestuosos com a mesma coragem que ilustres antepassados que, por todo o litoral português, se lançaram a tarefas de salvamento. Guinchinho era um miúdo que adorava o mar e o peixe no prato. Detestava o trabalho de pescá-lo e, por isso, foi encontrando expedientes diversos para atrasar as experiências com o pai na embarcação “Nossa Senhora do Socorro”. Por seu lado o pai, profundo conhecedor dos perigos da actividade acabava por aceitar a falta de iniciativa do seu filho, desejando-lhe um futuro mais seguro e, naturalmente, em terra. No entanto, o Guincho tinha uma ambição bem diferente. Pretendia ser “Fuzileiro Naval”, aguardando pelo momento apropriado para o conseguir. Esperava que, quando fosse para a tropa, ficasse destacado naquele grupo militar especial de modo a subir um importante degrau na escadaria de uma vida que, pretendia, de íntima ligação com o mar e com a aventura.