quinta-feira, 7 de maio de 2009

Promar: Verdade ou Ficção? (continuação)



Dado que estas casas assentavam em terrenos que, de um modo geral, apresentavam grandes dimensões era bastante usual que, à medida que os filhos casavam, se procedesse a uma ampliação das casas de origem ou, na maior parte das vezes, se construíssem casas mais pequenas no quintal onde ficavam a morar as segundas gerações. Este facto era repetido através de sucessivas gerações o que originava dois tipos de consequências antagónicas; uma, negativa mas que raramente acontecia e que se relacionava com o aumento de conflitualidade inerente à maior concentração no espaço e à diminuição da independência dos diferentes casais e outra, positiva, que resultava do estabelecimento de relações de proximidade, cumplicidade e amizade que favorecia autênticas práticas comunitárias que, por sua vez, possibilitavam interessantes sinergias nos afectos e no trabalho. As crianças, por exemplo, tinham a sorte de poder usufruir de uma vida ao ar livre, dentro
dos terrenos dos seus familiares, nas diversas ruas do bairro norte e mesmo em áreas muito mais afastadas porque, a vida em comunidade permitia que “todos tomassem conta de todos”, sendo certo que eram as mulheres que controlavam as entradas e as saídas dado que os homens aproveitavam todo o tempo disponível para a pesca artesanal. A esmagadora maioria dessas crianças usufruiu de uma liberdade impressionante dado que, desde cedo, se habituaram a brincar na rua aos mais diversos jogos com destaque natural para o fiquinha, as escondidas, o peão, o botão, o estrancela, o aí vai galgo e o futebol com bola de trapos ou, excepcionalmente, com uma bola de borracha “apreendida” aos miúdos mais ricos, na maior parte das vezes aos filhos dos industriais que sazonalmente, no Verão, vinham a banhos para Promar. A liberdade daquelas crianças era algo de fantástico dado que muitas delas limitavam-se a passar por casa nas horas de almoço, lanche ou jantar e aproveitavam o restante tempo não só para brincar como para interagirem com o mar, sobretudo na zona do pequeno porto de pesca, onde mergulhavam dos pontões mais altos para as águas profundas com uma destreza e coragem invulgares. De seguida deitavam-se nas rochas aquecidas pelo sol ou no areal e assistiam à entrada e saída das embarcações onde os pais, tios, primos e irmãos mais velhos ganhavam as suas vidas sobretudo na pesca costeira. Todas estas crianças ambicionavam uma vida exactamente igual à dos pais pedindo, com frequência, para os acompanharem, solicitação que raramente era satisfeita pelos progenitores que, melhor do que ninguém, conheciam os perigos do mar.
As casas da primeira linha sobre mar eram autênticas vivendas, com amplas divisões e interessantes espaços verdes, sendo ocupadas, em parte pela população mais rica da vila que, no entanto e de um modo geral, tinha grande orgulho da globalidade do espaço e não apenas nos seus territórios. Outra parte dessas vivendas era propriedade de alguns industriais do vale do Ave que, com a acumulação da riqueza proporcionada por várias gerações, tinha capacidade financeira para as adquirir.
Na verdade Promar era, ao contrário de muitas outras localidades, uma vila de forte coesão social dado que todos se conheciam e os habitantes que não se dedicavam directamente à pesca tinham, necessariamente, de comungar dos modos de vida enraizados na vila que eram fortemente marcados por aquela actividade económica. Na prática verificava-se que, na maioria dos casos, os restantes promarenses gostavam do modo de vida dominante determinado, em grande parte, pela classe piscatória, pelo que se reviam na espécie de liderança natural exercida pelos pescadores. Salvo raras excepções, os filhos dos comerciantes abastados, médicos, professores, engenheiros, juristas e outras profissões mais exigentes em termos de percurso académico, brincavam com os miúdos da classe piscatória, havendo por parte dos pais a perfeita noção que o convívio só traria benefícios, sobretudo na aquisição de competências relacionadas com a autonomia, o espírito de iniciativa e, numa frase, a preparação para a vida. Do mesmo modo os pescadores demonstravam orgulho e uma sincera humildade, ao constatar que a interacção entre todos os miúdos era bem aceite pelos grupos profissionais das classes sociais mais favorecidas. Muitas vezes acontecia que, sobretudo médicos e professores, aconselhassem os pescadores sobre a melhor forma de tratar as respectivas famílias, nomeadamente as esposas e filhos, reconhecendo, muitas vezes, as suas fraquezas e limitações, principalmente quando se tratava de repartir tarefas da casa que, de um modo geral, eram vistas como obrigatórias para as mulheres.

8 comentários:

  1. Promar é Póvoa nos anos 50/60/70. A questão que se deve colocar é a seguinte: o "progresso" trouxe maior felicidade?

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  2. 50/60. Os anos 70 foram o início da destruição e descaracterização. Ainda vivi esses anos "dourados", os da despreocupação, os das brincadeiras de rua, dos banhos de mar, dos espaços amplos, das casas bonitas, das árvores frondosas, das amoras, dos grilos, das borboletas, da areia limpa, do mar verde.
    Prefiro posts actuais do que aqueles que me fazem recordar o melhor da cidade. Não há volta a dar.
    pvzonline

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  3. Revolta-me o que estão a fazer com a nossa Póvoa.
    Vejam o que querem fazer com o plano de pormenor na zona do Varzim e Desportivo.
    Um atentado!

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  4. O trabalho iniciado nas décadas referidas vai ser rematado com a cerja no topo do bolo: o super edifício e o hotel gigantesco.

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  5. Eles fazem o que querem!
    E têm o descaramento - esperem para ouvir - de dizer que a população poveira aprovou o plano, dado não terem apresentado grandes dúvidas na sessão no Auditório ("não haverá nada a alterar").
    Palhaçada!

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  6. Essa descrição de Promar é intelectualmente elevada e com uma veia literária muito interessante. Se é da sua autoria, parabéns.

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  7. Agradeço o elogio. Promar é um projecto que neste momento leva já muitas dezenas de páginas mas que está longe da sua conclusão.Espero, um dia, concretizá-lo, quanto mais não seja como desafio pessoal.

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  8. E os personagens de Promar? Quem são?

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